Carta aberta dos Povos indígenas do Acre sobre Conferência Mundial da Ayahuasca
22 de Outubro de 2016
CARTA
 ABERTA DOS POVOS INDÍGENAS DO ACRE – BRASIL À CONFERÊNCIA MUNDIAL DA 
AYAHUASCA (nixi pae, huni pae, uni pae, kamarãbi, kamalanbi, shuri, 
yajé, kaapi…)
Nós,
  abaixo-assinados,  presentes nesta Conferência,  pertencentes aos 
povos indígenas Yawanawa, Shanenawa, Jaminawa, Huni kui, Apurinã, 
Manchinery, Katukina, Nukini, Puyanawa, Ashaninka, Madja, Jamamadi, 
Nawa, Shawãdawa, Apolima-Arara, Jaminawa-Arara e Kuntawa, presentes no 
Estado do Acre e Sul do Amazonas desde nossas ancestralidades, somos 17 
povos indígenas de 36 terras indígenas reconhecidas pelo governo 
federal, falantes das línguas Pano, Aruak e Arawa, perfazendo uma 
população estimada em 23.000 indígenas, os quais estão distribuídos em 
aproximadamente 230 aldeias. Vale lembrar que tais terras estão situadas
 em 11 dos 22 municípios acrianos.
A II WORLD AYAHUASCA CONFERENCE foi
 realizada na cidade de Rio Branco-AC entre os dias 17 a 21 de outubro 
de 2016, tendo como objetivo maior: “promover um espaço de diálogo, 
partilha e aprendizagem, sinergia e colaboração, no respeito pela 
diversidade cultural das tradições da ayahuasca”.
Isso
 ficou evidente a partir do momento em que se constituiu a primeira 
Mesa, na qual já ficou perceptível qual seria o tom geral do Evento. 
Nesse primeiro momento, já se verificou que não seria dada condição de 
amplo debate e participação dos indígenas, tanto dos palestrantes, como 
da plenária, e percebeu-se que seria este o tom geral da Conferência.
Assim sendo, vimos manifestar nossa insatisfação para com as questões a seguir:
A
 I Conferência Internacional, que aconteceu em Ibiza, na Espanha, não 
contou com a participação ampla dos povos indígenas que são os 
verdadeiros detentores desse conhecimento, posto que na mesma estiveram 
presentes apenas dois Huni Kui.
Não
 foi repassado aos povos indígenas nenhuma informação oficial das 
discussões realizadas nesta primeira Conferência, nem dos 
encaminhamentos procedidos na ocasião.
Acreditamos
 ser questionável o próprio nome dado ao evento, “Conferência da 
Ayahuasca”, uma vez que ele é genérico, e não contempla as diferentes 
designações dadas por cada povo. Note-se que, um nome, não é apenas “o 
nome”, uma vez que a ele estão atrelados conceitos simbólicos de suma 
importância cultural e espiritual para cada um dos povos que faz uso 
dessa bebida. E bom lembrar também que não estamos conferindo nada 
acordado anteriormente com qualquer povo indígena.
Ainda
 que este evento conte com maior número de participantes indígenas, não 
estamos nos sentindo realmente parte de sua criação e organização.
O
 formato das mesas também não nos contempla, uma vez que a duração 
dessas mesas não dá espaço para o debate necessário. Não houve tempo 
para os palestrantes expressar o que haviam se preparado para dizer, nem
 houve tempo para debater. Entendemos que o formato do evento é 
‘acadêmico’, mas acreditamos que o evento deveria ter compreendido que a
 maior parte dos participantes não são oriundos do meio acadêmico, e, 
sequer o assunto da conferência é acadêmico, visto que a Ayahuasca não 
se restringe a um tema científico, mas fala de identidade, saber, 
ritual, sacralidade, cultura, vivências e práticas milenares. E 
entendemos que a Academia deveria considerar e contemplar essas 
especificidades, e não impor o seu formato.
Nós
 indígenas não fomos convidados a participar de muitas das mesas, a 
despeito do fato de que os temas debatidos eram de interesse dos 
indígenas.
As mesas estão 
acontecendo de maneira simultânea, o que impede a participação ampla das
 pessoas, que precisam escolher qual das palestras assistir.
Encaminhamentos
Por
 meio de um diálogo majoritariamente indígena, nós participantes desta 
Conferência não tomaremos nenhuma decisão relacionado aos assuntos 
abordados neste evento, sobretudo, aqueles de caráter mais relevante, 
sem antes de:
a)
 promover a realização de encontros indígenas em que se faça presente 
todos os detentores do conhecimento das plantas (cipó e a folha) com as 
quais se prepara a bebida sagrada que está sendo chamada de Ayahuasca, 
com a presença das instituições responsáveis e envolvidas na discussão 
de patrimonialização.
b) discutir
 melhor o assunto sobre patrimonialização, pois durante sua abordagem 
fragmentada ocorrida na conferência, não ficou claro para os povos 
indígenas o que significa isso na sua essência.
c)
 fazer um Grupo Técnico (GT) sob a coordenação e orientação dos 
indígenas para a realização de consultas em respeito aos detentores do 
conhecimento sobre a Ayahuasca e ao Decreto nº 5.051, de 19 de abril de 
2004, que diz que o Brasil deve respeitar a Convenção 169 da Organização
 Internacional do Trabalho – OIT, e consultar as comunidades indígenas 
antes das obras (prévia), da forma que as próprias comunidades 
escolherem para ser consultadas (livre) e ainda tem que levar todas as 
informações que existem sobre o empreendimento (informada).
d)
 constituir um conselho ético para discutir o assunto da origem e 
definir critérios sobre o uso e a patrimonialização da Ayahuasca, e a 
partir dessa perspectiva e entendimento, realizar reuniões com as 
igrejas e demais segmentos que utilizam essa bebida sagrada, diante 
disso, poderemos apresentar nossa posição sobre os assuntos.
e)
 Requeremos a garantia de participação dos povos indígenas dos demais 
estados brasileiros que fazem uso da bebida sagrada na discussão sobre a
 patrimonialização;
f) 
Requeremos, ainda, o direito de deliberação, participação e planejamento
 do que acontecerá nas próximas Conferências Mundiais da Ayahuasca, a 
partir da próxima que está previsto a realizar-se em Tóquio no Japão. 
Requeremos também a participação igualitária em todas as mesas de debate
 no âmbito do evento;
g) 
Requeremos, por fim, que as Conferências Mundiais da Ayahuasca e os 
órgãos públicos e privados que discutem o tema reconheçam as tradições 
de uso, de cura e de preparo dos líderes espirituais dos povos 
indígenas.
Por fim, reafirmamos 
que estamos dispostos a colaborar em todos os processos para os avanços 
das discussões para o uso e o Direito da consagração da bebida por toda a
 humanidade.
Rio Branco, Acre, 21 de outubro de 2016.
 
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